Toxoplasmose em gatos e sua associação com Imunodeficiência Viral (FIV), Leucemia Felina (FeLV) e outras doenças
Saiba mais sobre o papel dos gatos na Toxoplasmose e quais os impactos da doença nessas animais.
O que é a Toxoplasmose?
A Toxoplasmose é uma zoonose causada pelo coccídeo Toxoplasma gondii. O gato doméstico participa como hospedeiro definitivo no ciclo de vida desse parasita, que também é capaz de infectar seres humanos, seja pela ingestão dos oocistos eliminados nas fezes do gato primoinfectado ou pela ingestão dos cistos teciduais presentes em carne crua, ou mal passada.
Qual é o papel dos gatos no ciclo da doença?
Os gatos, assim como os outros felinos, têm papel de suma importância na epidemiologia da infecção, pois são os hospedeiros definitivos do T. gondii. A transmissão transplacentária ou transmamária pode ocorrer tanto nos felinos como nos humanos. Uma vez no organismo do gato doméstico, o parasita pode desencadear o ciclo enteroepitelial, que culmina na liberação de oocistos nas fezes (os oocistos tornam-se infecciosos após a esporulação, que ocorre depois de um a cinco dias no ambiente) ou o ciclo extraintestinal, que também ocorre nas demais espécies, que caracteriza-se pela disseminação de taquizoítos para diversos órgãos, principalmente fígado, cérebro, pulmões e pâncreas.
Os indivíduos imunocompetentes limitam a replicação de taquizoítos, fazendo com que o protozoário permaneça encistado nos tecidos na forma de bradizoíto.
Quais são os sintomas e como é feito o diagnóstico?
Os sinais observados na Toxoplasmose clínica incluem anorexia, vocalização, letargia, hipotermia, dispneia e morte súbita; no entanto, sua ocorrência é mais comum entre os gatos jovens e imunodeprimidos.
Nos exames laboratoriais, não existem alterações patognomônicas associadas à Toxoplasmose. Algumas doenças como a Peritonite Infecciosa Felina (PIF) podem ser diagnosticadas erroneamente, pois alguns felinos com Toxoplasmose podem apresentar uveíte, sinais neurológicos ou linfonodos mesentéricos aumentados, icterícia, derrame ou piogranuloma em qualquer órgão. Segundo a Dra Diane Adie, um dos diagnósticos errados mais comuns para Toxoplasmose é a Peritonite Infecciosa Felina.
O diagnóstico da Toxoplasmose pode ser feito por centrífugo-flutuação das fezes ou por testes de identificação de anticorpos anti-Toxoplasma, como testes de ELISA, por exemplo.
A maioria dos gatos infectados com T. gondii são assintomáticos, mas para aqueles gatos que desenvolvem sinais clínicos, a Toxoplasmose pode ser letal, especialmente se forem diagnosticados erroneamente e o gato receber tratamento imunossupressor.
Segundo a Dra. Diane Addie, os gatos deveriam ser testados para titulação de anticorpos anti-Toxoplasma para identificar quais gatos podem estar em risco de reativação do toxoplasma latente, e então receber antibioticoterapia profilática de Clindamicina antes de receber algum tratamento quimioterápico.
O que apontam os estudos?
A Toxoplasmose é descrita como um grave agente oportunista em felinos infectados por FIV e FeLV. A infecção simultânea do T. gondii com outras doenças imunossupressoras pode predispor ao desenvolvimento agudo da toxoplasmose nos felídeos, com possível reeliminação dos oocistos nas fezes (COSTA et al., 2015). A administração de corticoides, quimioterápicos e a diabete melito também podem favorecer a manifestação clínica da Toxoplasmose em felinos.
Os resultados encontrados por Rivetti Júnior (2006) indicam uma ocorrência significativa das retroviroses felinas (FIV e FeLV) nas populações de gatos errantes, havendo correlações com ocorrência de infecções oportunistas, principalmente por Mycoplasma haemofelis e Toxoplasma gondii, isso ocorre devido ao declínio progressivo de células TCD4 circulantes, propiciando a imunodeficiência. Acredita-se que a infecção pelo FIV pode levar os felinos soropositivos ao Toxoplasma atuarem novamente como eventuais fontes de infecção.
Na pesquisa realizada por Barros (2013), observou-se que 78,6% dos gatos com infecção toxoplásmica e esporotricose apresentaram falha no tratamento da infecção fúngica. Vicente Sobrinho (2010) verificou associação estatisticamente significante na coinfecção por Leishmania spp. com FIV e Toxoplasma gondii.
A maioria dos gatos tem infecção subclínica pelo T. gondii, mas a doença clínica severa com possibilidade de óbito pode ocorrer, principalmente quando há associação com outras doenças imunossupressoras.
Como é feito o tratamento da doença e quais cuidados devem ser tomados?
O tratamento visa reduzir a carga de oocistos eliminados nas fezes e controlar os sinais clínicos, porém os gatos acometidos permanecem infectados por toda a sua vida. A Clindamicina é o fármaco de eleição para a forma sistêmica da doença e os corticóides são utilizados de forma tópica no tratamento da uveíte causada por T. gondii.
Deve-se evitar o oferecimento de carnes cruas ou mal passadas aos gatos e limitar os seus hábitos de caça como medidas profiláticas ao desenvolvimento da Toxoplasmose felina. O prognóstico para os gatos acometidos varia de favorável a ruim.
Por fim, ressalta-se que gatos adultos com acesso à rua apresentam maiores riscos de infecção, não só pelo T. gondii, mas também por outras doenças infecto-contagiosas importantes em felinos. Desta forma medidas de controle e prevenção devem ser aplicadas, como orientação sobre a guarda responsável e a realização da castração, objetivando-se o controle populacional de gatos, principalmente nos grandes centros urbanos.
Referências
Diane D. Addie é ex-conferencista sênior e chefe de diagnóstico de virologia na University of Glasgow Veterinary School, membro do European Advisory Board of Cat Disease e autora do site www.catvirus.com e do livro “Feline Infectious Peritonitis and Coronavirus”.
https://www.biogal.com/blog/ten-curious-facts-about-toxoplasma-gondii/
BARROS, R. S. Ocorrência de anticorpos anti-Toxoplasma gondii associada a fatores de risco em gatos com esporotricose oriundos da região metropolitana do Rio de Janeiro. 2013. 38 f. Dissertação (Mestrado em Pesquisa Clínica em Doenças Infecciosas) – Fundação Oswaldo Cruz, Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas, Rio de Janeiro, RJ, 2013.
COSTA, R.C.B. et al. INFECÇÃO PELO Toxoplasma gondii E PELO VÍRUS DA IMUNODEFICIÊNCIA FELINA EM GATOS DOMÉSTICOS (Felis catus). ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer – Goiânia, v.11 n.22; 2015.
RIVETTI JÚNIOR, A.V. Retroviroses, Toxoplasma gondii e Mycoplasma haemofelis em gatos errantes e felinos selvagens do Zoológico de Belo Horizonte-MG. Dissertação (graduação), Escola de Veterinária – UFMG, 2006. Disponível em: https://repositorio.ufmg.br/bitstream/1843/SSLA-7TXNDW/1/disserta__o_anselmo_rivetti.pdf
VICENTE SOBRINHO, L. S. Leishmaniose felina e sua associação com imunodeficiência viral e toxoplasmose em gatos provenientes de área endêmica para leishmaniose visceral. 2010. 82 p. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Odontologia e Curso de Medicina Veterinária, 2010. Disponível em: <http://hdl.handle.net/11449/94718>
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Médica Veterinária formada pela UFPR (2002). Realizou residência em Patologia Clínica (2002 /2003 – UFPR). É mestre em Ciências Veterinárias com ênfase em Patologia Animal (UFPR, 2005). Atualmente trabalha na VP Diagnóstico no setor técnico e comercial e é proprietária de uma leiteria na cidade de Castro-PR.