JULHO DOURADO: Conscientização da Vacinação Animal para Prevenção de Doenças Graves e Zoonoses.
Convidamos nosso Médico Veterinário Dr Fernando Staude Kloster para falar a respeito da Conscientização da Vacinação Animal.
Confira.
Qual é o papel da vacinação na prevenção de doenças?
A vacinação é um componente importante para a saúde de animais e humanos ao longo da vida. É uma das formas de prevenção de infecções por microrganismos como vírus, bactérias, protozoários dentre outros que podem causar graves doenças. Vale lembrar que o cuidado individualizado de um paciente requer exames de saúde regulares dependendo da idade, raça, estilo de vida, ambiente, viagens e atividades do animal e do tutor. Os estudos e discussões sobre vacinação são de suma importância para a vida dos pacientes juntamente com a detecção, tratamento e prevenção de ecto e endoparasitas, cuidados dentários, nutricionais, avaliação comportamental etc.
Por que é tão importante vacinar tanto os pets, como cães e gatos, quanto outras espécies, como gado bovino?
A vacinação é o método mais eficiente no controle de doenças em humanos e animais. Como exemplo, tivemos a erradicação da varíola e da peste bovina pelas medidas de controle associadas à vacinação em massa. Casos de raiva em cães e sua consequente transmissão para seres humanos diminuiu consideravelmente graças às campanhas de vacinação. As diferentes estratégias de vacinação de bovinos e bubalinos contra a febre aftosa estão resultando no avanço da erradicação da doença no Brasil. Nosso país está prestes a se tornar internacionalmente reconhecido como Zona Livre de Febre Aftosa Sem Vacinação, o que torna o país com alta credibilidade no agronegócio e na vigilância agropecuária, abrindo cada vez mais as portas para o comércio internacional de produtos de origem animal. As vacinas estão entre os maiores triunfos e conquistas da atualidade.
Quais são as principais medidas de prevenção contra as principais doenças animais?
É importante que, ao nascer, os animais estejam obtendo corretamente o colostro da mãe. Dessa forma, há a garantia de que os anticorpos maternos irão proteger os filhotes por determinado período de tempo enquanto o sistema imune dos mesmos ainda não esteja desenvolvido o suficiente para a própria produção de anticorpos e demais sistemas de defesa contra os patógenos presentes no ambiente em que vivem. Outra forma eficiente de prevenção é manter o uso de antiparasitários em dia, como a aplicação de antipulgas e administração de vermífugos. Além disso, exames regulares, vacinação, limpeza e desinfecção de ambientes são a soma para o sucesso da prevenção das infecções por microrganismos.
Quais são os sinais que indicam que um animal pode estar sem proteção vacinal?
Para a análise dessa situação, é importante a verificação da resposta vacinal. Infelizmente não há sintomatologia ou sinais clínicos que indiquem falta de proteção. Porém, vale salientar que infecções recorrentes por microrganismos podem indicar a ocorrência de uma imunidade insuficiente nos pacientes. Isto ocorre por vários motivos, como idade, má-nutrição, estresse, tratamento com medicamentos imunossupressores, doenças genéticas, etc.
Qual é a diferença entre um protocolo vacinal e um programa vacinal?
Ao analisarmos as necessidades de um indivíduo, sua rotina, idade e condições ambientais as quais vive, elabora-se um protocolo vacinal. Ou seja, a escolha das vacinas necessárias ocorre de forma individual. Por exemplo, em países onde incidência de leptospirose em cães é baixa, há pouca necessidade de se vacinar esses pacientes sobre este patógeno. Já, no Brasil, pelo fato dessa enfermidade ser endêmica, deve-se incluir no protocolo individual a vacina para aqueles animais que têm acesso à rua.
Sobre os programas vacinais, podemos citar as campanhas de vacinação contra a raiva em cães e gatos, programas de vacinação contra a febre aftosa (que já estão sendo interrompidos no Brasil pela estratégia de erradicação da doença promovida pelo Programa Nacional de Erradicação da Febre Aftosa). É uma ação conjunta dos governos federal, estadual e municipal visando imunizar uma grande quantidade de pessoas e animais contra doenças emergentes e reemergentes.
Além da vacinação, quais outras práticas de higiene são recomendadas para prevenir a transmissão de zoonoses entre animais de estimação e seres humanos?
Esta pergunta é de extrema importância, pois não podemos fechar os olhos apenas para uma única maneira na prevenção e erradicação de doenças. Sobre isso é o que denominamos de Saúde Única, a qual envolve a atenção à saúde pública, animal e ambiental. Gosto muito de voltar no tempo para contar a história da saúde no Brasil e no mundo. Antigamente, antes do descobrimento dos microrganismos, a população acreditava que as doenças ocorriam devido a ação de seres sobrenaturais, castigos divinos ou de constelações e miasmas. Mas o que são miasmas? Vamos lá! A teoria miasmática afirmava que as enfermidades eram emanações de terrenos e rios poluídos e fétidos que, ao atingirem uma civilização, causavam doenças. Eram como se fossem “energias” ou algo parecido com “fantasmas” que surgiram da podridão causada pelo acúmulo de sujeira e lixo no ambiente. Dessa forma a atenção estava voltada em manter os ambientes mais limpos e menos poluídos. Porém, quando as descobertas de Louis Pasteur, Robert Koch e demais excelentes pesquisadores, iniciou-se a “Era Bacteriológica”. O descobrimento dos microrganismos por esses cientistas foi um marco na evolução da ciência, porém, trouxe junto algo preocupante, a Teoria da Unicausalidade. Resumidamente, essa teoria afirmava que, se as doenças são causadas por microrganismos, basta destruirmos esses agentes para que não haja mais doenças. Dessa forma a teoria miasmática perdeu força, e então as civilizações começaram a focar nos indivíduos doentes e deixar de lado a preocupação com o ambiente, favorecendo a proliferação de roedores, vetores e demais animais reservatórios de doenças.
E o que podemos concluir sobre isso? Que além da vacinação, exames regulares e tratamento de doenças, precisamos tratar de um assunto sério que envolve as medidas de higiene e saneamento como a limpeza e desinfecção de hotéis, creches e demais estabelecimentos que abrigam animais de estimação. A água de beber deve ser regularmente trocada nos potes e estes devem ser higienizados, visto que nestes locais pode ocorrer a formação de biofilmes bacterianos bem como a deposição de ovos de mosquitos vetores de doenças como o Aedes aegypti, transmissor de doenças como a Dengue, Chikungunya, Zyka, e até mesmo a Dirofilariose (verme do coração) e os vírus das encefalites equinas as quais podem ser transmitidas aos seres humanos.
Por que é recomendado iniciar o protocolo vacinal de cães e gatos entre 6 e 8 semanas de idade?
Quando os filhotes nascem, estes saem de um útero estéril para um ambiente com diversos microrganismos. O recém-nascido precisa de um controle da invasão microbiana para garantir sua sobrevivência. O sistema imune adaptativo necessita de tempo para se tornar funcional. se alimentar do colostro da mãe para que fiquem protegidos por um determinado tempo. Assim, a vulnerabilidade às infecções durante as primeiras semanas de vida precisa do auxílio do colostro, rico em anticorpos IgA, IgG (mais predominante) e com uma certa quantidade de IgM e IgE. Isso é necessário pois o sistema imune dos seres vivos recém-nascidos não possui o desenvolvimento adequado para produzir os componentes biológicos necessários e funcionais para protegê-los contra os agentes infecciosos presentes no ambiente. Porém, esses anticorpos maternos impedem o sucesso da vacinação nos animais mais jovens, podendo persistir por semanas a meses.
Segundo Tizard, 2023, o título de anticorpos maternos contra o vírus da cinomose canina diminuem a níveis insignificantes com cerca de 10 a 12 semanas nos filhotes (com uma variação entre 6 e 16 semanas). O Guia de Vacinação de Cães e Gatos (Canine and Feline Vaccination Guidelines), desenvolvido pela Associação Mundial de Médicos Veterinários de Pequenos Animais, recomenda, para cães, a vacinação inicial de filhotes contra parvovirose (CPV), cinomose (CDV) e hepatite infecciosa canina (CAV) entre 6 e 8 semanas de idade e posteriormente a cada 2 a 4 semanas até completar 16 semanas de idade ou mais. Segundo os autores do guia, quanto mais frequentemente essas vacinas forem dadas, mais estreita (ou menor) será a “janela de suscetibilidade” para os filhotes. Além disso, a dose mais importante é a administrada com 16 semanas de idade ou mais, pois a partir dessa idade, sugere-se que o nível de anticorpos maternos esteja substancialmente diminuído. Para gatos, vacinação contra panleucopenia (FPV), herpesvírus (FHV) e calicivírus (FCV) felino e posteriormente a cada 2 a 4 semanas até 16 semanas de idade ou mais, com uma dose subsequente administrada com 26 semanas de idade em que os anticorpos maternos provavelmente já atingiram um nível insuficiente para possíveis inativações e falhas vacinais.
Como os Médicos Veterinários personalizam o protocolo vacinal de cães e gatos, levando em consideração as especificidades de cada espécie e indivíduo?
As principais vacinas relevantes em todo o mundo devem proteger contra parvovirose, cinomose e hepatite infecciosa canina bem como panleucopenia, herpesvírus e calicivírus felino. São as que chamamos de vacinas “Core”, ou seja, vacinas essenciais. Além disso, os médicos veterinários que trabalham em determinados locais designam outras vacinas como essenciais como a raiva e a leptospirose. Independentemente de a raiva ser endêmica ou não em alguns países, todos os cães e gatos devem ser vacinados para a proteção de animais de estimação e humanos, mesmo que não haja exigência pela legislação. Um trabalho do pesquisador Zimmer e colaboradores em 2018, sobre vacinação em massa, demonstrou reduzir significativamente os casos de raiva em Malawi. A leptospirose é mais um exemplo de zoonose com distribuição mundial. Em países ou regiões a enfermidade é endêmica, vacinas estão disponíveis para uso.
Estudos já analisaram dados sobre a relação entre o porte dos cães e seus níveis de anticorpos. Cães de pequeno porte produziram titulações mais altas de imunoglobulinas do que cães de grande porte. Além disso, houve diferença entre a eficácia vacinal entre diferentes raças caninas. Resultados significativos de falhas vacinais foram observadas em Labradores e Pastores Alemães. Em animais idosos, a primovacinação resultou em baixos títulos de anticorpos. Não foi observada a influência do sexo sobre resposta imune às vacinas. Outros protocolos vacinais podem ser empregados de acordo com necessidade do contexto em que o animal está inserido. Por exemplo, a vacinação contra a giárdia ainda é debatida e alguns estudos sugerem que ela pode não impedir completamente a infecção, mas pode reduzir a gravidade dos sintomas e ser útil em determinadas circunstâncias, como em criadores e abrigos para animais, que são áreas de alta incidência do parasita. Além disso, existem protocolos disponíveis contra a gripe canina, como as vacinas bivalentes que protegem os animais contra as cepas de influenza canina (H3N8 e H3N2). Dessa forma, os médicos veterinários devem analisar as variáveis para o planejamento adequado de um protocolo vacinal individualizado e assim garantir a proteção dos pacientes.
Dr Fernando Staude Kloster
Graduado em Medicina Veterinária pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2008), especialista em Biotecnologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2010) e mestre em Ciências Veterinárias pela Universidade Federal do Paraná (2013). Possui experiência na área de Medicina Veterinária com ênfase nos seguintes temas: Anatomia, Microbiologia, Doenças Infecciosas, Defesa Sanitária Animal, Febre Aftosa; Raiva; Imunofluorescência Direta; Programas Nacionais de Saúde Animal; Tipificação Antigênica e Análise Filogenética do vírus rábico; Vigilância da Encefalopatia Espongiforme Bovina; Saúde pública; Zoonoses; Diagnóstico de doenças de notificação obrigatória; Metodologias In vitro de análise de substâncias com potencial anti-helmíntico e diagnóstico de resistência parasitária.