Comportamento animal durante a pandemia
Quais são os impactos da pandemia sobre os animais? O que mudou? Como ficou a rotina dos pets?
Os animais de estimação, assim como nós, estão enfrentando um cenário que impõe novos hábitos. Toda mudança de rotina da família influencia o comportamento dos bichanos, que podem
ficar mais ansiosos ou estressados. Seja pela falta de passeios ou pela presença constante do tutor em casa – ou ausência – tais situações podem causar diversas outras alterações comportamentais, como sono e alimentação.
Para compreender melhor quais são os impactos da pandemia sobre os pets, conversamos com a Médica Veterinária Gisele Sprea, especialista em comportamento de Cães e Gatos. Confira:
Quais os impactos já notados durante a pandemia sobre os animais? Algum estudo já está em andamento?
É fato que uma nova dinâmica surgiu entre pessoas e animais de estimação. Seja porque não é possível ficar levando seu animal para passear, seja porque agora as pessoas passam muito mais tempo em casa com seus cães e gatos, seja porque é preciso achar formas de entreter os animais ao longo do dia, seja porque temos que ter mais paciência e tolerância com nossos bichos. No entanto, sabe-se que interagir positivamente com seu animal de estimação ajuda na estabilidade emocional e saúde mental deles, reduzindo a ansiedade e estresse do seu cão e/ou gato juntamente com o seu. (Albuquerque e colaboradores, 2020)
Vários estudos estão em andamento, no entanto, muitos deles ainda estão incompletos e inconclusivos, com amostras de tamanho pequeno, que podem causar mais incerteza em um momento delicado e ameaçar ainda mais o bem-estar dos animais de estimação, assim como a saúde pública.
Dessa forma, é crucial que os cientistas continuem pesquisando sobre o novo coronavírus em pets, e a divulgação oportuna seja uma questão ética. As agências de notícia devem somente disseminar informações científicas, quando estiverem bem consolidadas e comprovadas, e quando forem divulgadas em forma de posicionamento pelos órgãos de saúde pública. (Otávio Valério de Carvalho e colaboradores, 2020)
E a questão da adoção e do abandono de cães e gatos em meio à pandemia?
As diferentes fases da pandemia, também foi marcada por diferentes impactos na dinâmica populacional de cães e gatos. Houve momentos em que as ruas de todo país permaneceram vazias de pessoas e mais povoadas por animais abandonados, devido ao pânico oriundo da má-informação e da disseminação de notícias sensacionalistas.
Por outro lado, para muitas pessoas, os animais foram seus grandes companheiros neste período de isolamento e até mesmo aumentaram a percepção das necessidades do seu pet, aproveitando a oportunidade da presença mais próxima diária, para promover melhorias na sua qualidade de vida. E ainda, tantas outras pessoas mais solitárias ou também especialmente famílias com crianças, motivaram-se a adotar um cão ou gato e identificaram o quanto a relação de compaixão e cuidado com o outro pode enobrecer e alegrar nossas vidas.
Como a ansiedade impacta os hábitos dos animais?
A ansiedade é uma emoção caracterizada por um estado desagradável de agitação interior, e quando relacionada ao desconforto devido à separação das pessoas de maior apego, na área de psiquiatria animal, denomina-se de ansiedade de separação.
A ansiedade de separação é um transtorno mental comum em cães e gatos, que impactam os hábitos desses animais e o seu bem-estar, devido desencadear comportamentos anormais frequentes, como a lambedura das patas ou de outras partes do corpo, tremores, salivação, choro excessivo, urina ou fezes em local inapropriado e/ou destruição de objetos.
Como criar uma melhor adaptação dos animais durante as diferentes fases do isolamento?
Cada fase do isolamento, tem medidas restritivas específicas de distanciamento social, as quais devem ser obedecidas e adaptadas aos animais, para à medida do possível, satisfazer as necessidades físicas, fisiológicas, psicológicas, comportamentais, sociais e ambientais de cada espécie.
No caso de cães, saídas ao ar livre, ajustada em tempo e frequência, conforme a restrição de cada fase, buscando locais sem aglomerações em horários mais tranquilos, seguindo as medidas de higiene preconizadas para a adequada proteção à saúde humana e animal, pode ser uma alternativa interessante. Para os animais, uma medida importante é limpar principalmente as patas antes de entrar em casa, lavar com água e sabão ou sabonete neutro e secar bem depois, para evitar que as patas fiquem úmidas
No caso de gatos, procurar manter a rotina a que já estava habituado, respeitando especialmente os momentos de descanso e enriquecendo o ambiente, na maior parte das vezes, é o melhor a ser feito para o seu bem-estar.
Quais são as atividades que podem substituir ou compensar os passeios regulares?
Brincadeiras com as pessoas da casa ou outros animais que convivam junto, com brinquedos interativos, ou ainda ensinar comportamentos desejáveis, costumam ser estímulos cognitivos já recomendados na prática diária paralelamente aos passeios regulares, mas que excepcionalmente na impossibilidade desses, podem contribuir nessa compensação. Uma outra opção, quando possível, seria frequentar creches caninas, indicada à cães sociáveis, tanto para os cães que não possuem a possibilidade de interação com outros cães em casa, mas também para àqueles que já possuem essa convivência. Pois, permite uma diversidade de estímulos sensoriais, físicos e lúdicos, incentiva a execução de comportamentos naturais à espécie, além de servir como prevenção à hipervinculação e dependência emocional e afetiva desmedida às pessoas da casa.
O que fazer quando o cachorro fica muito agitado, chora ou late sem parar?
Nessas condições faz-se necessário a compreensão dos motivadores para esse comportamento indesejável excessivo. Tais condutas, são formas comunicativas, que apesar de indevidas para nós humanos, refletem deficiências nos indicadores de bem-estar do animal, os quais envolvem aspectos de saúde física e mental, ambiental e comportamental. Para tanto, é preciso uma avaliação clínica e psicológica, exames complementares quando o médico veterinário achar necessário, e um plano de tratamento, que pode envolver indicação medicamentosa, modulação comportamental, enriquecimento ambiental e treinos de obediência e atividades físicas.
Como preparar os animais na volta à rotina após pandemia do Coronavírus?
A preparação dos animais, preferencialmente, deve ocorrer antes mesmo da flexibilização do distanciamento social e retorno da família à rotina. Para isso, recomenda-se que o animal seja motivado de maneira gradual e positiva a permanecer alguns períodos do dia separado do restante das pessoas da casa, com o auxílio de um brinquedo interativo, comumente recheado com o alimento que mais gosta e está habituado a comer. O objetivo é estimular a realização de comportamentos naturais da espécie, como a exploração e as brincadeiras, minimizando a dependência contínua da companhia dos humanos.
Quais cuidados tomar no contato direto com os animais, já que muitos tutores possuem o hábito de compartilhar comida, beijar os pets e dividir a cama para dormir?
Contato direto com os animais através do toque e carinho suave na pelagem é algo natural e positivo na relação humano-animal, sempre que o animal já esteja habituado e demonstre docilidade e prazer por tal conduta. Independente desse contexto da pandemia, recomenda-se, para que esse contato seja saudável a ambas as espécies, que antes e após o carinho, as mãos sejam lavadas e não sejam levadas à boca. Já o hábito de dividir a cama com eles na hora de dormir, requer medidas de higiene nos animais, assim como da roupa de cama com maior frequência, além da educação do comportamento de eliminação bem definido, para que o animal saiba que, na necessidade de “ir ao banheiro”, deve sair da cama e ir ao local adequado.
O contato direto através do compartilhamento de alimentos e beijos, ainda que tomado alguns cuidados, expõe nós e os nossos bichos, ao contato com a microflora da boca de cada indivíduo, não sendo seguro para a saúde de ambas as espécies.
Dra. Gisele Sprea – Formada em Medicina Veterinária pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) em 2001. Possui mestrado em ciências veterinárias pela UFPR/2005 e pós-graduação em Manejo Comportamental de Cães e Gatos pela PUCPR /2012. Fez estágio na Universidade Autônoma de Barcelona (UAB) acompanhando a rotina do serviço de comportamento em 2013. Foi docente na Universidade do Contestado/SC (UNC) (2011-2014). É Médica veterinária responsável pelo serviço de Comportamento Animal no Hospital Veterinário Clinivet desde 2012 e pela Vigilância de Zoonoses, na Secretaria de Saúde da Prefeitura de Campo Largo desde 2006.
Créditos:
Imagens: Reshot